Reflexión |
Gerson de Souza Mól[a] y Roseane Freitas Fernandes[b]
Resumo |
Educação Química na perspectiva da Educação Ciência-Tecnologia-Sociedade – CTS e da Inclusão escolar é fundamental para a formação cidadã e seu desenvolvimento apresenta ainda desafios para educadores no contexto educacional brasileiro. Diante disso, neste trabalho discutimos sobre a relevância de práticas educativas CTS Inclusivas que considerem a diversidade humana e garantam a participação de Todos os estudantes nos processos de ensino-aprendizagem, respeitando suas diferentes necessidades. Para tanto, buscamos textos de livros e produções acadêmicas, disponíveis em diferentes bases de dados, que tratam sobre os temas Ensino de Química, Inclusão e Educação CTS, procurando identificar possíveis relações. A partir dessas análises, compreendemos que as práticas educativas CTS Inclusivas – CTSI têm o potencial de impulsionar a inclusão educacional, promovendo um ensino contextualizado a realidade e o protagonismo dos estudantes na produção de conhecimentos científicos e tecnológicos. Porém, salientamos a necessidade de formação que qualifique melhor os professores para trabalhar pedagogicamente com abordagens CTS de maneira inclusiva em diferentes contextos escolares. |
Palavras-chave: |
Licenciatura; Formação de professores; CTS/CTSA; Educação Inclusiva. |
Chemical education from an inclusive CTS perspective |
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Abstract |
A Chemical Education from the perspective of Science-Technology-Society Education – STS and School Inclusion is fundamental for citizenship formation, and its development still constitutes a challenge for educators in the Brazilian educational context. Therefore, this work reflects on the relevance of Inclusive STS educational practices that consider human diversity and ensure the participation of all students in the teaching-learning processes, considering and respecting their different needs. To do so, we searched for texts from books and academic productions available in different databases that address the topics of Chemistry Teaching, Inclusion, and STS Education, aiming to identify possible relationships. As a result, we understand that Inclusive STS – ISTS educational practices have the potential to drive educational inclusion, promoting teaching that is contextualized to reality and student protagonism in the production of scientific and technological knowledge. However, we emphasize the need for training that better qualifies teachers to work with inclusive STS approaches in different school contexts pedagogically. |
Keywords: |
Graduation; Teacher training; CTS/CTSA; Inclusive education. |
A Química está presente no nosso cotidiano, pois é a Ciência que estuda as substâncias que fazem parte da constituição dos seres vivos e de tudo que nos rodeia. Em diversas situações diárias precisamos tomar decisões que envolvem conhecimentos científicos/químicos, como, por exemplo, nos momentos de escolher produtos e alimentos nos supermercados e de como usá-los. Com frequência, tomamos decisões sem o devido conhecimento, desconsiderando, por exemplo, materiais e aspectos envolvidos na produção e comercialização de produtos e alimentos, podendo afetar negativamente a nossa vida e de demais pessoas. Por isso, no âmbito do Ensino de Ciências, o Ensino de Química torna-se importante para aprendizagem de conhecimentos úteis que nos tornem pessoas mais capazes para tomar decisões de forma consciente e responsável, visando melhores condições de vida.
Sendo assim, a Química, como área de conhecimento científico, contribui para que possamos compreender melhor as estruturas, propriedades e transformações dos materiais e substâncias. No nosso dia a dia, o conhecimento químico é útil em vários campos da atividade humana, tais como nas indústrias, na agricultura, na medicina etc. Além disso, esse conhecimento é indispensável para o desenvolvimento científico e tecnológico da sociedade na qual vivemos.
Com base nisso, o Ensino de Química tem a pretensão de proporcionar aos estudantes/cidadãos compreensões sobre o mundo natural, tecnológico e social e de interpretá-lo, capacitando-os a construir conhecimentos para uma atuação cidadã mais participativa em seus diferentes contextos (Machado & Mortimer, 2007).
Porquanto, ensinar Química implica em oportunizar aos estudantes situações de aprendizagem que favoreçam o desenvolvimento de novas formas de ler, conhecer e compreender o mundo, mobilizando conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que os levem a intervir e transformar suas condições sociais. Por sua vez, aprender Química envolve compreender a linguagem científica, como também sobre a natureza da Ciência e da Tecnologia, seus processos de investigação e seus métodos associados a contexto sóciohistórico para participação social (Machado & Mortimer, 2007; Santos, 2007b).
O Ensino de Química, ao considerar questões sociocientíficas e sociotecnológicas de maneira problematizadora (Pérez, 2012), pode, significativamente, ampliar os processos de aprendizagem para além de conhecimentos conceituais, métodos ou procedimentos, trazendo significação existencial e social aos conhecimentos. Por conseguinte, a Educação Ciência-Tecnologia-Sociedade – CTS ou Educação Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente – CTSA[1] contribui suscitando reflexões sobre a função social do conhecimento científico e tecnológico e sobre o papel dos professores e da escola para formação cidadã (Santos, 2007a; 2007b; 2008).
Dada a relevância dos conhecimentos científicos e tecnológicos para o pleno exercício da cidadania, temos que considerá-los como direito de todos, independentemente das diferenças que nos caracterizam como sujeitos, respeitando nossas diferenças tais como cor de pele, gênero ou qualquer impedimento de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial.
A inclusão é, atualmente, um termo multifacetado. Podemos abordar a inclusão em diferentes aspectos e contextos, mas sempre na perspectiva de proporcionar cidadania a grupos minoritários. López et al. (2022, p. 66), por exemplo, abordam a questão da inclusão por meio da adaptação da Tabela Periódica, “uno de los íconos más poderosos de la ciencia moderna”, para a língua Nahuatl, também chamada de “asteca”, utilizada por povos originários da América do Norte. Já Ramos (2022), por sua vez, defende a contextualização como elemento inerente à didática “en una visión más humana de las ciencias [...] a mirar aspectos culturales de comunidades poco representadas y nos exhortan a la inclusión”.
Defendemos a inclusão em todos os aspectos e, neste texto, abordamos a inclusão escolar considerando-a como direito de todos à aprendizagem em Ciências e, em especial, em Química. Mais especificamente, defendemos o direito de minorias constituídas por pessoas com deficiências à aprendizagem em Ciências que faça sentido em suas vidas.
Nesse sentido, a Educação Inclusiva suscita ações e reflexões críticas sobre a inclusão de todos os estudantes nos processos de ensino-aprendizagem, com respeito as singularidades, complexidades e diferenças de cada pessoa, rejeitando qualquer pensamento ou atitude excludente.
Isso posto, podemos considerar como questão de pesquisa a ser respondida neste texto: que contribuições a articulação das abordagens Educação Inclusiva e Educação CTS promovem no Ensino de Química?
Partindo desses entendimentos, o objetivo deste trabalho é discutir, no contexto do Ensino de Química, relações entre a Educação CTS e a Educação Inclusiva, com a intencionalidade de construir uma ideia de Educação CTS Inclusiva, que iremos abreviar para CTSI. Nessa perspectiva, pretendemos abordar questões desses dois campos de investigação no Ensino de Química, enfatizando pressupostos fundamentais que justifiquem e fortaleçam a promoção do Ensino de Química de forma inclusiva e cidadã a todos os estudantes, bem como desafios e possibilidades para práticas educativas.
Para alinhar ao objetivo deste estudo, adotamos neste trabalho uma abordagem qualitativa a partir de uma revisão bibliográfica (Gil, 2002) de capítulos de livros e produções acadêmicas, disponíveis na base de dados da internet, que tratam sobre reflexões acerca desta temática. No processo de exploração e síntese do conhecimento, buscamos identificar e apontar contribuições significativas que enfatizam aspectos relevantes acerca da formação da cidadania e valorização da diversidade no meio educacional.
As diferentes deficiências que acometem as pessoas fazem parte da diversidade humana. Ao longo da história, as formas como as pessoas com deficiência eram tratadas variou em função dos momentos, contextos e sociedades. No entanto, o mais comum nessa trajetória foram os estigmas sociais caracterizado pela exclusão, exigindo constantes lutas pela defesa de direitos básicos como a vida, a dignidade, o respeito, o bem-estar, a participação social e o desenvolvimento pleno dessas pessoas.
De acordo com Fernandes e Mól (2019, p. 15), “conhecer a evolução do pensamento do homem pode contribuir para uma melhor compreensão da realidade e, consequentemente, respeito à diversidade e efetividade da Educação Inclusiva”. É importante entender que, na Pré-História, pela necessidade de sobrevivência era praticamente impossível cuidar de pessoas com deficiência pois, poderia, inclusive, colocar em risco a vida de outros membros do grupo. Hoje, esse risco não existe.
Em outros contextos históricos e sociais, pessoas com deficiência eram eliminadas devido à falta de conhecimento sobre as causas das deficiências, levando o mistério a ser atribuído a diferentes divindades como forma de castigo à pessoa ou ao grupo. De acordo com estudiosos, isso passou a mudar quando o homem dominou o fogo e sentiu-se mais seguro em ambientes protegidos. Para a antropóloga Margaret Mead, o primeiro registro conhecido que pode ser considerado como sinal de civilização é um fêmur fraturado de 15.000 anos, encontrado num sítio arqueológico. Para essa pesquisadora, este artefato arqueológico indica que a pessoa teve a perna quebrada, mas pôde permanecer imóvel sendo cuidada, por cerca de seis semanas, até se curar (Blumenfeld, 2020). Entre os animais selvagens, qualquer indivíduo que sofra tal impedimento que o impossibilite de caçar e de não ser presa fácil certamente o levará à morte.
De acordo com Silva (1987), em civilizações como a egípcia, pessoas com deficiências físicas e intelectuais faziam parte de diferentes classes sociais e eram tratadas pela medicina da época. Há registros da existência, por exemplo, de faraós e reis cegos ou deficientes físicos. No entanto, como, infelizmente, ainda acontece hoje, o acesso a tratamentos médicos era diferenciado segundo a posição social pertencente.
Em Atenas e Esparta, havia leis que favoreciam soldados feridos, deficientes e seus familiares na obtenção diária de alimentação. Alexandre III, o Grande (356 a 323 a. C.), rei da Macedônia e criador do Império Grego, tinha grande apreço aos soldados que ficavam doentes ou deficientes em guerras (Silva, 1987).
No entanto, essas ações de cuidado não eram tão generalizadas e disponíveis a todos. Na Esparta Antiga, em épocas anteriores ao Cristianismo, uma comissão oficial formada por anciões de reconhecida autoridade examinava os recém-nascidos e decidia se podiam viver ou não. Os que se apresentavam fortes e robustos eram entregues aos pais para serem criados e, no futuro, poderem se tornar soldados. Os considerados fracos, disformes, franzinos ou com deficiência eram lançados de um precipício, pois julgavam que se a criança vivesse não seria bom para ela nem para a sociedade (Silva, 1987).
O Cristianismo no Império Romano trouxe uma nova forma de pensar que alterou substancialmente a História, apesar dessa sociedade conviver com sérios problemas que atormentavam os mais pobres: escravidão, opressão, servidão etc. Pregando a caridade e o amor ao próximo, o cristianismo conquistou os desfavorecidos, doentes, deficientes físicos e até mesmo intelectuais. Possivelmente, esse foi um dos motivos pelos quais a doutrina foi tão violentamente reprimida pelas forças da sociedade (Silva, 1987).
Por séculos, os argumentos para justificar a discriminação e o preconceito se sobrepuseram às diferentes tentativas de acolhimento e inclusão. No entanto, no século XX, aconteceram muitas mudanças sociais e políticas, acompanhadas pelo avanço das Ciências e outros campos de conhecimento, como a medicina, que permitiram compreender melhor as causas de muitas deficiências.
Também no século passado, ocorreu a Primeira Guerra Mundial (1914 e 1918) na qual mais de dez milhões de pessoas morreram e vinte milhões foram feridas. Já na Segunda Guerra Mundial (1939 e 1945), o número de pessoas a morrer foi muito maior, sendo estimado superior a 40 milhões, além de deixar um número próximo de feridos e mutilados. Além de mortes, estes eventos transformaram pessoas “normais” em pessoas com deficiência, exigindo cuidados antes não necessários (Fernandes & Mól, 2019).
Como consequência disso e da quantidade crescente de movimentos sociais em defesa da pessoas “inválidas”, tais como surdas, cegas, “mancas” etc., na Conferência de Paz, realizada de 18 a 20 de janeiro de 1920, em Paris, foi aprovado o Tratado de Versalhes que, entre outras questões pós-guerra, propôs a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ligada à Organização das Nações Unidas – ONU, com objetivo de cuidar de questões humanitárias, políticas, sociais e econômicas, entre as quais a abolição do trabalho infantil e a eliminação de qualquer tipo de discriminação no trabalho (Fernandes & Mól, 2019).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela ONU (1948) com objetivo de nortear a construção de um mundo melhor, indicando os direitos básicos de todas as pessoas, entre os quais: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos” (Artigo 1); “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (Artigo 3); e “Toda pessoa tem direito à educação” que “[...] deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais” (Artigo 26).
Nessa mesma linha, a sétima Constituição Federal (Brasil, 1988), promulgada em 1988, garante o direito à educação no artigo 205 que traz:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Brasil, 1988).
Nossa constituição também privilegia aspectos sociais e políticos que visam à promoção da cidadania, sendo que o inciso II do parágrafo 1º do artigo 227 apresenta a obrigatoriedade de
Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação (Brasil, 1988).
Em 1990, o Brasil assinou a Declaração Mundial de Educação para Todos (UNICEF, 1990), redigido na Conferência de Jomtien, Tailândia, que propõe em seu Artigo 3º “Universalizar o acesso à educação e promover a equidade”, garantindo o acesso aos sistemas de ensino e as necessidades básicas de aprendizagem das pessoas com deficiência.
Em junho de 1994, 25 organizações internacionais e representantes de governos de 92 países reunidas em uma Conferência, organizada pelo governo espanhol em cooperação com a Unesco, na cidade de Salamanca – Espanha, elaboraram e assinaram a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) que propõe a “Educação para Todos”, com orientações de atenção especial às pessoas com necessidades educacionais especiais, respeitando as diferenças e apoiando a aprendizagem e as necessidades de cada indivíduo.
O percurso histórico da defesa dos direitos das pessoas com deficiência é longo e marcado por inúmeras leis e documentos, tornando-se praticamente impossível listar todos. Em 25 de agosto de 2009, a Casa Civil da Presidência da República baixou o decreto 6.949, promulgando a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Brasil, 2016). Essa Convenção define que
pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (Brasil, 2016, p.19).
Com esta Convenção, o Brasil se comprometeu, internamente e no cenário internacional, a eliminar barreiras, relacionadas a atitudes e ao ambiente, que possam dificultar a participação plena na sociedade de cidadãos que tenham alguma deficiência. Os princípios desta convenção levaram à Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – PNEEPEI (Brasil, 2008). Esse alinhamento se mostra presente nesta política ao definir que
Considera-se alunos com deficiência àqueles que têm impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade ( Brasil, 2008, p.15).
Outro importante marco normativo brasileiro é a Lei Brasileira de Inclusão – LBI, também conhecida como “Estatuto da Pessoa com Deficiência” (Brasil, 2016). A LBI foi uma construção coletiva que avançou ao regulamentar seus benefícios e direitos sociais e ampliar a punição ao desrespeito dos direitos dessa parte da população.
A Declaração de Incheon, aprovada em maio de 2017 por mais de 100 países, entre os quais o Brasil, defende a educação para todos como o principal indutor para o desenvolvimento mundial (Unesco, 2015). O documento assume o compromisso de defender uma educação inclusiva de qualidade e com melhoria dos resultados de aprendizagem. Este documento traz uma expressão que não aparece em documentos anteriores:
Comprometemo-nos a promover, com qualidade, oportunidades de educação ao longo da vida para todos, em todos os contextos e em todos os níveis de educação. Isso inclui acesso equitativo e mais amplo à educação e à formação técnica e profissional de qualidade, bem como ao ensino superior e à pesquisa, com a devida atenção à garantia de qualidade. (p. 2) (grifo nosso)
Esse “ao longo da vida” busca reforçar a ideia de que os direitos devem ser permanentes e não pontuais como, por exemplo, no momento da educação escolar. Poderíamos dizer que o direito à educação é vitalício para todos.
O direito à educação é garantido no Brasil e em muitos outros países por inúmeras leis e convenções. No entanto, perguntamos: direito a que escola?
Mantoan (2004) nos traz que o ensino escolar isola e separa os conhecimentos, desconsiderando suas inter-relações, pois
Os sistemas escolares estão montados a partir de um pensamento que recorta a realidade, que permite dividir os alunos em normais e deficientes, as modalidades de ensino em regular e especial, os professores em especialistas, nesta e naquela manifestação das diferenças. A lógica dessa organização é marcada por uma visão determinista, mecanicista, formalista, reducionista própria do pensamento científico da Modernidade, que desconsidera o subjetivo, o afetivo, o criador, sem os quais não conseguimos romper com o velho modelo escolar e produzir a reviravolta que a inclusão impõe. (p. 116)
Isso posto, perguntamos qual deve ser o caminho para que a escola seja realmente inclusiva; ou melhor, Para Todos. Muitas são as ações necessárias e os caminhos possíveis. No entanto, não é qualquer aula de Química que vai cumprir esse objetivo. Aulas meramente conteudistas e predominantemente expositivas pouco contribuem para a inclusão e para a formação cidadã. Necessitamos de escolas comprometidas com questões que superam o ensino focado na transmissão de conteúdos escolares.
Muitas são as possibilidades para buscar esse comprometimento. Nesse sentido, pretendemos apresentar olhares reflexivos, à luz da Educação CTS e da Inclusão Escolar, com vistas à construção de um ensino mais significativo para a vida de todos os estudantes de modo que permita-os transformar suas realidades.
A perspectiva educacional CTS surgiu como desdobramento do Movimento CTS iniciado em meados do século XX em países do hemisfério norte, após a Segunda Guerra Mundial, em um contexto de profundas mudanças sociais. O Movimento CTS parte da crítica ao modelo desenvolvimentista de Ciência e Tecnologia, do qual constatou-se que este não estava conduzindo, de forma linear e homogênea, ao bem-estar social (Auler, 2002; 2007; Santos, 2011).
A educação científica passou a incorporar os ideais do movimento CTS numa perspectiva de formação para a cidadania em decorrência de uma mudança de visão sobre a natureza da Ciência e da Tecnologia (Santos, 2011; 2012). De forma geral, a Educação CTS busca uma compreensão crítica acerca do desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia e seus impactos sociais para uma maior participação social. Para isso, essa perspectiva tem provocado mudanças nos processos de ensino-aprendizagem a partir da necessidade de uma renovação crítica do ensino (Santos & Auler, 2019). No Ensino de Ciências, a Educação CTS tem suscitado propostas com um delineamento mais crítico, interdisciplinar e contextualizado (Santos, 2012).
No Brasil, os primeiros trabalhos de pesquisa com a denominação CTS no Ensino de Ciências surgiram na década de 1990 e, desde então, tem se expandido o número de publicações na área (Chrispino, 2023). Em geral, investigações têm apontado que a Educação CTS cumpre papel fundamental para a formação cidadã, potencializando o desenvolvimento do pensamento crítico e da autonomia para atuação nos diversos espaços sociais, sendo, portanto, direito de todo cidadão e mecanismo propulsor de inclusão educacional e social (Santos, 2012; Pérez, 2012, Silva, 2018).
No ensino de Ciências/Química, a abordagem curricular CTS envolve discussões de temas ou questões de relevância social com seus aspectos históricos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e éticos, potencializando processos de Alfabetização Científica e Tecnológica - ACT e/ou Letramento Científico e Tecnológico – LCT. Em outras palavras, a abordagem CTS parte de discussões interdisciplinares, contextualizadas e críticas, compreendendo temas ou problemas reais relativos à Ciência e à Tecnologia na dimensão cultural e social. Porquanto, a centralidade das temáticas em CTS está na problematização social com vistas à conscientização crítica e transformação da realidade (Santos, 2007a; 2008; 2011; 2012).
Sendo assim, o ensino na perspectiva CTS se difere do ensino tradicional de ciências organizado com foco conceitual da matéria a ser estudada, que normalmente se apresenta com viés disciplinar, expositivo e conteudista. Conforme explicita Santos (2012), o ensino CTS se organiza
A partir de temas sociais que remetem a conteúdos relativos a conhecimentos tecnológicos correlacionados e que por sua vez se direcionam a conceitos científicos que permitem a compreensão da questão tecnológica e, em seguida, desemboca numa compreensão mais ampla do problema social inicialmente posto para discussão (p. 54).
Nesse sentido, a abordagem CTS extrapola o ensino de apenas conteúdo disciplinar e se expande com objetivos críticos voltados para a formação humana e social. Isso vai ao encontro da inclusão de pessoas que, muitas vezes, são excluídas da escola, apesar de terem seus direitos educacionais e sociais garantidos por lei. Em outras palavras, o direito à escola vai muito além do direito de acesso ao conteúdo escolar e se torna um direito ao Letramento Científico e Tecnológico, ou seja, o direito a busca de uma cidadania mais crítica e participativa.
O Letramento Científico e Tecnológico envolve fazer uso pessoal e social do conhecimento científico e tecnológico, conforme explicita Santos (2007b, p. 480):
O letramento dos cidadãos vai desde o letramento no sentido do entendimento de princípios básicos de fenômenos do cotidiano até a capacidade de tomada de decisão em questões relativas à ciência e tecnologia em que estejam diretamente envolvidos, sejam decisões pessoais ou de interesse público. Assim, uma pessoa funcionalmente letrada em ciência e tecnologia saberia, por exemplo, preparar adequadamente diluições de produtos domissanitários; compreender satisfatoriamente as especificações de uma bula de um medicamento; adotar profilaxia para evitar doenças básicas que afetam a saúde pública; exigir que as mercadorias atendam às exigências legais de comercialização, como especificação de sua data de validade, cuidados técnicos de manuseio, indicação dos componentes ativos; operar produtos eletroeletrônicos etc. Além disso, essa pessoa saberia posicionar-se, por exemplo, em uma assembleia comunitária para encaminhar providências junto aos órgãos públicos sobre problemas que afetam a sua comunidade em termos de ciência e tecnologia.
Na abordagem CTS, com vistas ao LCT, o conhecimento científico e tecnológico ganha relevância na medida em que faz sentido ao contexto de vida dos estudantes, favorecendo o desenvolvimento de uma visão mais crítica sobre o mundo e maior autonomia para tomada de decisão pessoal ou de interesse público (Santos, 2007b).
Desse modo, a abordagem CTS, como prática social, busca dar condições para participações mais ativas e igualitárias dos cidadãos na sociedade, permitindo que grupos marginalizados, geralmente discriminados por raça, sexo ou condição física e social, possam atuar de forma mais efetiva pelo uso do conhecimento científico e tecnológico (Santos, 2008; 2012).
Nesse sentido, entendemos que a educação científica numa abordagem CTS é direito de todos os estudantes, independente de suas condições físicas, mentais, sensoriais, intelectuais, sociais, emocionais ou linguísticas. Esse direito implica que os estudantes tenham acesso e participem ativamente dos processos de ensino-aprendizagem, pois todos têm a capacidade de aprender, cada qual no seu tempo, ritmo e potencial.
Pensando nisso, o Ensino de Química deve propiciar conhecimentos, estratégias e recursos pedagógicos que promovam a aprendizagem e favoreça a inclusão dos estudantes numa sociedade permeada pela ciência e tecnologia. Todos os estudantes, com ou sem deficiência, possuem o direito a ter condições para o pleno desenvolvimento de suas potencialidades no processo de construção de conhecimentos, habilidades e valores, respeitando as especificidades de cada pessoa.
As ideias do educador Paulo Freire podem contribuir para a construção de uma educação científica mais humanística e voltada para uma práxis pedagógica inclusiva, buscando romper com relações de dominação ou marginalização na sociedade a partir de mudanças das condições de existência (Santos, 2008).
Nesse sentido, pensar em um Ensino de Química CTS e Inclusivo para a cidadania, considerando a perspectiva freiriana, significa pensar em uma escola que seja pautada no: diálogo reflexivo e crítico; respeito às diferenças pessoais e à dignidade humana; desenvolvimento da autonomia dos estudantes e professores; trabalho coletivo e colaborativo; gestão escolar democrática e participativa; dentre outros. Esses aspectos são princípios ou pressupostos fundamentais para a promoção da Inclusão escolar, conforme aponta Silva (2018):
A perspectiva CTS, acrescida dos ideais freireanos, proporciona o direcionamento ideal para que o indivíduo possa desenvolver uma atitude crítica de cunho transformador. Esse pensamento deve estar presente nos indivíduos que sofrem limitações a partir das imposições de classe hierarquizadas. Com isso, seria possível pensar em uma verdadeira inclusão, que incluísse todos os socialmente excluídos. (p. 42)
De acordo com Freire (2001), “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (p. 25). Partindo desse pressuposto, o Ensino de Química numa perspectiva CTS e inclusiva busca a criação de possibilidades de ensino-aprendizagem de modo a permitir que todos os estudantes, com ou sem deficiência, construam seus próprios conhecimentos, ampliando suas compressões de mundo e modificando suas maneiras de ser, estar e agir numa sociedade científica e tecnológica. Ainda, concordamos com Silva (2018) ao afirmar que:
A inclusão escolar deve proporcionar muito mais do que a simples socialização do aluno com necessidade educacional especial. Precisa proporcionar a aquisição do conhecimento científico [...] A pessoa com deficiência precisa tomar consciência da sua condição e buscar meios de mudá-la, não que a deficiência desapareça com isso, mas que as adaptações geradas pela sua ação crítica possam tornar sua deficiência quase que imperceptível. (p. 40)
Nesse sentido, consideramos que abordagens CTS Inclusivas implicam no pleno exercício de cidadania e, por isso não devem ser pontuais no currículo escolar. Abordagens CTS Inclusivas devem permear transversalmente todas as aulas de Ciências/Química e, de forma geral, todas as atividades escolares. Para isso, é necessário um esforço constante de toda a comunidade escolar, exigindo mudanças profundas na cultura educacional para além de mudanças superficiais.
Santos e Mortimer (2001; 2002) salientam que somente a inserção de temas sociocientíficos ou materiais didáticos na perspectiva CTS não são suficientes. Além disso, são necessárias mudanças significativas nas concepções e práticas pedagógicas. É preciso contextualizar a situação do sistema educacional brasileiro, as condições de trabalho e de formação inicial e continuada dos professores para se alcançar uma contextualização dos conteúdos científicos na perspectiva de formação cidadã e de promoção de equidade social.
Nesse sentido, pensar em abordagens de ensino CTS na perspectiva da Educação Inclusiva significa a necessidade de reconfigurações pedagógicas que propiciem melhores condições e possibilidades de aprendizagem aos estudantes, respeitando e celebrando toda a diversidade presente nos contextos escolares. É isso que chamamos de Educação CTSI.
Cabe ao professor o desafio, inerente à prática pedagógica, de criar e utilizar estratégias e recursos didáticos para adaptação e mediação de conhecimentos em variadas situações de aprendizagem, sempre estimulando e auxiliando os estudantes a ampliarem seus conhecimentos, como aponta Rizzatti e Jacaúna (2022) sobre a necessidade de utilizar práticas docentes que viabilizem o ensino e a aprendizagem dos alunos com ou sem deficiência. Com base nisso, é de fundamental importância que, na formação inicial e continuada de professores, haja uma maior preparação para se trabalhar pedagogicamente com abordagens CTS de maneira interdisciplinar e inclusiva nos contextos escolares atuais.
A esse respeito, Mello e Pereira (2023) salientam a necessidade de aprimoramento dos professores para a condução de experiências educativas CTS Inclusivas e apontam que a formação continuada é um caminho para melhoria e aperfeiçoamento da ação docente em atenção às demandas atuais. Para as autoras, é necessário expandir a oferta de programas formativos em Ensino de Ciências na perspectiva inclusiva pautados em reflexões críticas sobre a prática docente, desenvolvendo conhecimentos sobre a inclusão nos processos de ensino-aprendizagem.
Lima e Passos (2023) desenvolveram uma ação de formação inicial e continuada de professores sobre princípios da Educação Inclusiva com o estudo de uma abordagem investigativa de ensino e aprendizagem de conceitos científicos que envolveu estudantes de Química e Ciências Biológicas, juntamente com professores de Química e Biologia atuantes em escolas públicas. Para as autoras, iniciativas como esta podem contribuir para a formação profissional de professores e favorecer a interação entre professores e alunos, nas aulas de Química e Ciências, de uma forma mais inclusiva e menos capacitista.
Nesse sentido, compreendemos que uma formação docente na perspectiva CTS Inclusiva não se limita à existência de uma ou duas disciplinas obrigatórias nas grades curriculares. Essa formação deve permear todas as atividades curriculares e extracurriculares na articulação universidade-escola-comunidade, buscando atender as necessidades formativas dos estudantes. Essa formação docente CTSI precisa ser pautada pela reflexão crítica sobre a realidade da sala de aula inclusiva, por meio do trabalho colaborativo entre profissionais de vários campos envolvidos com a educação formal.
Embora a preocupação com abordagens educacionais mais críticas e contextualizadas tenha se intensificado no contexto brasileiro, foi somente no início do século XXI que a temática inclusão começou a ser problema de pesquisa na área de Ensino de Química. Um dos primeiros trabalhos sobre a inclusão de alunos com deficientes visuais em aulas de Química, que teve como título “Grafia Química Braille: uma Proposta de Inclusão para Alunos Portadores de Deficiência Visual” (Raposo, Santos & Mól, 2004), foi apresentado na 27ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, realizada na cidade de Salvador – BA, em 2004. Desde então, trabalhos relacionando Ensino de Ciências/Química e Inclusão aumentaram significativamente (Mól et al., 2020; Santana, Benitez & Mori, 2021), mas essa discussão associada à perspectiva educacional CTS ainda é muito modesta (Monteiro, 2023).
Investigações apontam que práticas educativas CTS Inclusivas podem ser promotoras e potencializadoras de inclusão educacional, proporcionando um ensino contextualizado às realidades dos estudantes e ao desenvolvimento do protagonismo nos processos de produção de conhecimentos científicos e tecnológicos (Vier e Silveira, 2017; Vilela e Araújo, 2022; Barbosa, Brito e Leitão, 2023).
Vier e Silveira (2017), por exemplo, analisaram estratégias de ensino de Ciências balizadas pela perspectiva CTS, com a temática “Água”, desenvolvidas pela integração de alunos do Atendimento Educacional Especializado – AEE da Sala de Recursos Multifuncional e da classe comum do ensino regular do sexto ano. Os resultados apontaram que foram identificadas mudanças de atitudes, como uma integração maior de alunos e professores pela aprendizagem, assim como participação dos pais nas atividades escolares e nas ações relacionadas à problemática estudada. De acordo com as autoras, “é possível trabalhar o ensino de ciências de forma interdisciplinar e diferenciada, contextualizando os conhecimentos com o cotidiano dos alunos e buscando compreender as questões presentes em nosso meio” (Vier & Silveira, 2017, p. 177), porém é importante uma formação inicial e continuada de professores na perspectiva CTS e inclusiva.
Vilela e Araújo (2022) analisaram o desenvolvimento de uma gincana na qual foram trabalhadas questões referentes à Sustentabilidade, envolvendo tomada de decisão, atitudes éticas e consciência sobre o meio ambiente. Participaram 100 alunos do Ensino Médio, sendo alguns deles com alguma deficiência ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade – TDAH, autismo, discalculia ou dislexia. Os resultados indicaram que a Educação CTS é um caminho promissor para estimular o desenvolvimento cognitivo e favorecer a participação de todos os alunos nas atividades propostas, particularmente aqueles que apresentam deficiências ou transtornos, permitindo maior compreensão e ressignificação dos conteúdos e temas abordados. Para os autores, é possível avançar ainda mais nas questões que envolvem a inclusão dos estudantes com deficiências, oferecendo maior suporte e ajuda para o seu desenvolvimento. Porém, essa demanda exige formação qualificada e específica dos profissionais para que possam trabalhar com práticas educativas CTS de maneira mais inclusiva.
Barbosa, Brito e Leitão (2023) investigaram aproximações da abordagem CTS com uma proposta de ensino sobre o tema “Alimentação” para estudantes com Deficiência Intelectual, buscando analisar as potencialidades e as limitações de tal abordagem no contexto educativo. Os autores salientam a necessidade de identificar e valorizar os saberes do cotidiano dos estudantes, contextualizando e problematizando interdisciplinarmente os temas a partir das realidades sociais nas quais esses alunos estão inseridos. Isso envolve promover interações dialógicas com a temática, por meio das experiências cotidianas do estudante, de modo a possibilitar a construção de sua própria aprendizagem. Essa necessidade realça a importância da utilização de diversas estratégias metodológicas e recursos didáticos no intuito de melhor explorar o tema e possibilitar condições mais favoráveis para o desenvolvimento da aprendizagem. Para os autores, a tarefa de promover a inclusão de estudantes com deficiência necessita de um trabalho colaborativo para viabilizar condições de aprendizagem para todos os estudantes com critérios de equidade.
Monteiro (2023) buscou identificar aspectos convergentes entre a educação científica na abordagem CTS e a Educação Inclusiva a partir da análise de dissertações e teses que demonstram possibilidades de articulação entre esses dois campos de pesquisa educacionais. A autora percebeu que a busca por trabalhos práticos que utilizam a abordagem CTS para promover a inclusão em aulas de Ciências ainda é reduzida. Além disso, os trabalhos localizados apresentam uma tendência a focar no Atendimento Educacional Especializado – AEE. Para a autora, é “necessário fomentar a utilização da abordagem CTS como promotora de um ensino de Ciências inclusivo em salas de aula regulares, pois a inclusão é um projeto político que precisa ser abraçado por todos os atores que compõem a escola” (Monteiro, 2023, p. 79).
Investigações apontam vários desafios e possibilidades em práticas educativas inclusivas (Freitas & Pinho, 2023; Silva & Leal, 2024). Dentre os desafios estão, por exemplo, a necessidade de professores mais qualificados; maior conhecimento dos profissionais de educação em relação às leis que amparam a educação inclusiva; infraestrutura mais adequada das escolas; e políticas públicas mais eficazes. Dentre as possibilidades, destacamos: favorecer maior acesso de todos a conhecimentos escolares significativos; a importância de adaptações curriculares que considerem as necessidades individuais de aprendizagem de todos os estudantes; favorecimento do desenvolvimento da atenção, comunicação, interação e participação dos estudantes; promoção de conscientização e desenvolvimento de atitudes de aceitação, solidariedade, flexibilidade; e valorização da diversidade.
Com base nisso, a Inclusão escolar envolve aprender a conviver com as diferenças e a compartilhar experiências e conhecimentos. Ou seja, ela implica em saber viver junto em cooperação, parceria e colaboração entre as pessoas, respeitando as especificidades de cada. Diante disso, a escola deve ser um espaço social de acolhimento, convivência e atendimento às necessidades de aprendizagem de Todos os estudantes.
Assim, práticas educativas CTS numa perspectiva inclusiva implicam em garantir o direito a todos os alunos, independentemente de suas diferenças, de participar de situações de aprendizagem que envolvem o desenvolvimento de compreensões críticas sobre temas sociais relacionados à ciência e tecnologia, considerando questões presentes na realidade dos estudantes como ponto de partida para a construção do conhecimento. Para tanto, práticas educativas CTS Inclusivas exigem estratégias pedagógicas inovadoras ou ações pedagógicas que efetivamente atendam às necessidades individuais de aprendizagem de todos os estudantes.
A exclusão faz parte da nossa história, sendo que só recentemente vem sendo superada por considerarmos que todos têm direito à vida digna em sociedade, incluindo o direito à educação formal. Por isso, a Educação Inclusiva é tema de trabalhos acadêmicos desde as últimas décadas do século passado. Por sua vez, os estudos CTS nasceram em meados do século passado, influenciando o campo educacional na perspectiva de formação para a cidadania. Atualmente, as perspectivas da Educação Inclusiva e da Educação CTS são desenvolvidas em várias situações de ensino sendo, paulatinamente, incorporadas ao Ensino de Ciências/ Química. Como linhas de pesquisa com seus respectivos enfoques, suas abordagens são feitas por pessoas que se identificam com uma ou com outra e, geralmente, são discutidas separadamente, desconsiderando relações entre elas no ensino. Diante disso, defendemos a necessidade de mais investigações e aprofundamentos com essa junção no campo da pesquisa em Ensino de Ciências/Química.
Considerando a importância dessas duas perspectivas educacionais, defendemos que suas abordagens devem ser trabalhadas conjuntamente, de forma constante e transversal, no Ensino Básico e Superior. Para isso, é importante que os professores tenham formação inicial e continuada para a Educação CTS na perspectiva inclusiva. Geralmente, quando essas temáticas existem na grade curricular são tratadas de forma isolada em disciplinas tais como Ensino de Química Inclusivo e Ensino de Química na Perspectiva CTS. Uma possibilidade que pode contribuir mais para essa formação é contemplar no currículo disciplinas que tratem tais temáticas de forma integrada ou articulada como, por exemplo, disciplinas que abordem o Ensino de Química na Perspectiva CTS Inclusiva. Defendemos que, num passo posterior, essas discussões evoluam destas disciplinas para práticas pedagógicas em várias disciplinas formadoras de professores de Química, permeando toda a formação docente e, consequentemente, repercuta na Educação Básica.
Retomando nossa questão de pesquisa, podemos afirmar que a principal contribuição da articulação das abordagens Educação Inclusiva e Educação CTS, no Ensino de Química, é proporcionar potencialmente uma Educação Química que busca garantir o direito constitucional de uma educação voltada para o pleno exercício da cidadania. Nessa Educação Química CTSI todos os alunos têm o direito de aprender e de se desenvolver conforme suas capacidades individuais.
Para tanto, é preciso compreender a escola como um espaço educacional e sociocultural que tem como objetivo o desenvolvimento integral dos sujeitos como cidadãos críticos e participativos. Na escola se manifesta a diversidade humana que deve ser reconhecida, celebrada e respeitada, proporcionando equidades a todos para que alcancem seus maiores potenciais de desenvolvimento.
Portanto, concluímos que práticas educativas CTS Inclusivas têm o potencial de impulsionar a inclusão educacional, proporcionando um ensino contextualizado e o protagonismo dos estudantes na produção de conhecimento científico e tecnológico. Os estudos destacam a importância da formação inicial e continuada de professores nessa perspectiva, bem como a necessidade de valorizar os saberes dos alunos e promover interações dialógicas com os temas abordados. Embora haja vários trabalhos relacionando ensino de Ciências/Química e Inclusão, a integração com a perspectiva CTS ainda é limitada, sugerindo a necessidade de mais esforços nessa direção para garantir uma educação verdadeiramente inclusiva para todos.
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Cómo citar:
de Souza Mól, G. y Freitas Fernandes, R. (2024, septiembre). Educação química na perspectiva CTS inclusiva. Educación Química, 35(Número especial). http://dx.doi.org/10.22201/fq.18708404e.2024.4.89407e.
[a] Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciência da Universidade de Brasília – UnB. Brasília/Distrito Federal/Brasil.
[b] Doutora em Educação em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências da Universidade de Brasília – UnB. Brasília/Distrito Federal/Brasil.
[1] Ao longo do texto, optamos por utilizar majoritariamente o termo CTS considerando a compreensão de Santos (2007b; 2012) de que o Ambiente já é contemplado desde o início dos estudos CTS. No entanto, não há objeção ao uso do termo CTSA, principalmente, com a intenção de destacar a dimensão ambiental.